sábado, 8 de dezembro de 2012

Tubarão Perneta

"Amei uma donzela doce como o verão!
Seus cabelos tinham cor de mel...
Me afundei em sua paixão...
E os seus beijos me levaram ao céu!"

As notas soavam de um modo doce naquele ambiente, enquanto a voz daquele cantor acompanhava cada uma delas de um modo melódico e calmo. A música era um tanto quanto lenta e ele a pronunciava com emoção, de olhos fechados. Seus cabelos vermelhos caíam sobre os seus ombros, enquanto com as mãos ele habilmente segurava o seu alaúde. Os seus dedos dançavam pelas cordas, produzindo os acordes necessários para acompanhar aquela canção.

A imagem que se produzia ali era um campo verdejante, enquanto uma donzela flutuava a sua volta, com suas roupas de seda róseas, uma coroa de rosas na cabeça, com uma felicidade e uma elegância sublimes. Ela o envolvia, enquanto o bardo permanecia absorto em sua música.

"E na sua dança eu me envolvi
Cantei, girei, até que eu caí...
Doce, doce veneno!
Longo beijo e agora nem um único aceno!"

A música se tornou mais lenta, enquanto a voz do Bardo agora se espalhava pelo ambiente com uma força maior. Ele girava enquanto tocava o seu alaúde, revelando as suas botas negras, sua calça marrom e a camisa branca de manga comprida que usava, ao mesmo tempo em que um turbilhão vermelho e dourado se formava ao seu redor, culpa daquele "quase sobretudo" que usava. Seus cabelos também acompanhavam o movimento do seu corpo, em parte ocultos pelo grande chapéu dourado e vermelho que repousava em sua cabeça. Seus olhos esmeralda concentravam-se em ponto nenhum, dando um ar misterioso ao artista - amplificado pela máscara que tapava a parte superior do seu rosto, deixando tudo acima do nariz oculto, exceto os seus olhos.

A donzela havia se aproximado, dado um leve beijo em sua testa antes de sair flutuando, distanciando-se. O mundo havia se tornado preto e branco, tocado pelo cinza e pela prata. A grama havia se destruído, se queimado. A coroa de flores caiu no chão, espalhando-se com o vento. A donzela agora revelava um rosto medonho, pálido e fantasmagórico, acompanhado por olhos vermelhos. Logo ela se reaproximou do bardo, como se o atormentasse. O envolvia, girava em velocidade em torno do mesmo, com extrema destreza. Ele permaneceu ali, cantando, ignorando aquela presença ao seu redor, ou pelo menos tentando manter-se inabalável.

"Um fim tem tudo o que começa!
Nunca permita que o medo te impeça!
Aproveite o calor enquanto a chama queimar...
Pois um dia ela irá se apagar!


Como se comandada pelas palavras do Bardo, uma pequena chama se formou em seu bandolim, antes de aumentar, aumentar e aumentar, envolvendo todo o seu corpo e expandindo-se pelo ambiente. Os mais próximos podiam sentir o calor aumentar, mas logo a chama atacou a Donzela que girou em um arco de fogo, sendo rapidamente consumida. A música lentamente cessou, com as imagens sumindo e o Bardo terminando a sua apresentação. O silêncio tomou conta do lugar por alguns segundos.

- Sou Kairos Argyros, senhores. Kairos das Mil e Uma Canções, se vocês preferirem, ou o Arauto das Palavras... Depositem o dinheiro no chapéu. - Sua voz soava com calma, enquanto seus olhos fitavam a platéia. Tirou o chapéu da cabeça e estendeu ao público. Apenas naquele momento ele viu para que tipo de pessoa tocava. Afinal, ele estava na conhecida taverna "Tubarão Perneta" e tudo o que ele via eram marujos, mal encarados que fitavam-no com suas canecas de cerveja na mão. Eles haviam ficado quietos até agora pela presença da magia e por alguma surpresa, mas agora...

- VIADO! - Gritou a primeira voz. - SUA PUTA! - Gritou a segunda, fazendo coro. E então a confusão começou. Kairos Argyros não entendia porque marujos não gostavam de canções de amor, mas sabia também que o nível de álcool no sangue deles deveria estar excessivo. Um marujo tentou atirar-lhe uma caneca cheia de cerveja mas, com elegância, o Bardo girou o seu corpo, transferindo o seu peso habilmente pelos calcanhares e movimentado-se com leveza, segurando o objeto pela lateral e arremessando-o de volta. O coro aumentava, enquanto a caneca girava no ar, sendo refletida de volta à sua origem. Não se pode ouvir o choque dela na testa daquele homem no meio daquela taverna - o barulho era excessivo com o coro que atingia a sexualidade do bardo, falando que ele deveria tecer um cachecol para o seu esposo - mas o ferimento que se abriu da testa dele, misturando o jorro de sangue com vidro e cerveja, poderia ser visto por qualquer um que olhasse na direção do impacto.

- CHUPA, SEU BABACA! Um Bardo nunca erra o alvo! - Berrou, desnecessariamente provocando os marujos, enquanto fazia uma estranha dancinha, balançando os braços de um lado pro outro com nenhum estilo. Outras coisas foram arremessadas em sua direção. Um outra caneca, apenas esquivada dessa vez, seguida de uma cadeira, que ele saltou habilmente abaixou-se para evitar e, por último, mas não menos importante, um anão. Quando ele viu o anão, ele começou a gargalhar, mas saltou, fazendo com que a criatura passasse também por debaixo do seu corpo. - Vocês precisam fazer melhor do que isso... - Comentou, antes de perceber uma mesa voando na sua direção. Uma maldita mesa. Que tipo de gente jogava mesa nos outros? Bêbados de bar, é claro.

Gritou algum palavrão, antes de pousar no chão e sentir a mesa batendo no seu corpo. Resistiu bravamente ao impacto, mas sentiu a dor espalhar pelo seus braços que ele havia utilizado para bloquear o objeto. Mesmo assim, ele girou, batendo simultaneamente em suas coxas, antes de ser travado. Sentiu o osso quase quebrar e soltou um berro. O bandolim havia parado no chão e ele deu dois passos para trás. Quando a visão se recuperou da dor, viu alguns homens correndo em sua direção. Claro que a pancadaria havia começado no bar, mas o alvo principal era ele. Então... bastante gente corria para bater nele e, depois, roubá-lo.

- A coisa não parece muito boa aqui... Acho que eu terei que usar a minha especialidade: Arte da Fuga. Eu me lembro... - Ele divagava com uma calma sobre-humana, que não fazia sentido nenhum para a situação. O tempo pareceu fluir mais divagar, enquanto ele analisava o ambiente. Bandolim a três passos de distância, inimigos a dez passos. Tempo para ação de aproximadamente três segundos. Rota definida, preparação mental feita e o seu corpo começou a deslizar pelo ar. Com uma cambalhota, pegou o bandolim de volta, já terminando o movimento em um salto e, girando o corpo, acertou o primeiro inimigo com um golpe certeiro no rosto. O segundo passou direto quando tentou socá-lo, como se a imagem do bardo fosse uma mera ilusão, tão rápido que ele se movia. O terceiro levou uma joelhada na barriga, cuspindo cerveja e baba de uma única vez, antes de ser empurrado e cair no chão. O relâmpago vermelho e dourado percorreu o bar, antes de saltar na direção de uma janela, estourando-a com o peso do seu corpo.

Dor, ele sentiu-a se espalhar pelo seu corpo, enquanto o vidro cortava-o, mas a cena havia sido bonita, em sua mente, pelo menos. Sangrando, com alguns pedaços de vidro no corpo, ele agora saía do Tubarão Perneta com algum estilo, assustando as pessoas do lado de fora. Ele estava a quanto tempo do porto mesmo? Não importava muito, porque ele saiu correndo em disparada. Afinal, tinham uns quinze caras querendo bater nele agora. Era bom que ele corresse rápido para longe dali. Sua sorte era que correr era uma das coisas que ele fazia melhor. Ainda mais se fosse de um problema!

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